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Déjà-vu, metafísica e consciência - Ensaio



A semente deste ensaio surgiu no último dia do ano de dois mil e vinte três quando estava em férias na cidade de Santiago no Chile. Faltava pouco para a meia noite quando me aproximei do local onde passaria a virada de ano. Neste momento me veio a certeza de já ter estado naquele exato lugar, na mesma condição, presenciado em detalhes cada evento que ali ocorria. Tive um déjà-vu!

Déjà-vu, termo do francês cujo significado é “já visto”, é um fenômeno conhecido pelas ciências e classificado de formas distintas incluindo a neurociência, a filosofia, a física quântica, a teologia, dentre outras. Cada abordagem oferece perspectivas distintas sobre a natureza e a explicação do déjà-vu. Aqui estão algumas dessas abordagens:

1.       Neurociência: A abordagem neurocientífica se concentra nas bases cerebrais do déjà-vu. Pesquisadores procuram entender como o cérebro processa e armazena informações, levando a essa sensação de familiaridade inexplicável.

2.       Filosofia: Na filosofia, o déjà-vu pode ser explorado em termos de epistemologia (teoria do conhecimento) e fenomenologia (estudo da experiência consciente). Filósofos podem questionar como a mente humana lida com a percepção, memória e a sensação de familiaridade.

3.       Física Quântica: Algumas especulações na física quântica sugerem que o déjà-vu pode estar relacionado a conceitos como viagens no tempo ou à natureza não linear do tempo. No entanto, essas ideias não são amplamente aceitas na comunidade científica.

4.       Teologia e Espiritualidade: Em contextos teológicos e espirituais, o déjà-vu pode ser interpretado de maneiras diversas. Algumas interpretações podem envolver conceitos de destino, karma, ou até mesmo experiências relacionadas a vidas passadas, dependendo das crenças religiosas.

5.       Parapsicologia: Alguns estudiosos e entusiastas da parapsicologia podem considerar explicações paranormais para o déjà-vu, como a ideia de experiências premonitórias ou ligações psíquicas.

Cada abordagem tem suas próprias nuances e implicações, refletindo a complexidade do fenômeno do déjà-vu e a diversidade de perspectivas dentro das várias disciplinas. É importante notar que algumas dessas abordagens podem ser mais especulativas do que outras, e a compreensão científica do déjà-vu continua a evoluir à medida que novas pesquisas são realizadas.

Junto àquela sensação de já haver experienciado aquela circunstância outra ocorrência me veio em forma de insight algumas considerações. O tempo não é um fluxo linear. Vivemos várias vezes o mesmo tempo. Vivemos o mesmo tempo em paralelo a outros eus[1].

Aqui fica claro porque escrevo um ensaio e não um artigo. Minha abordagem tangerá a filosofia, em especial a fenomenologia, a física quântica, a espiritualidade e a parapsicologia. Neste sentido caso possua alguma divergência quanto a estas linhas, ou busque estritamente por um conteúdo científico sobre o tema, sugiro que não continue a leitura, pois tempo é vida, e perder tempo é o mesmo que perdê-la.

Na medicina, em especial na neurociência, o fenômeno do déjà-vu é tratado como uma falha no processo de interpretação do cérebro, em especial pelo lobo temporal e no hipocampo. A explicação mais utilizada é a de que ocorre um atraso entre a comunicação destas estruturas cerebrais, o que foi percebido e o que foi interpretado, gerando um atraso, situação está que leva ao entendimento de já haver vivido aquela experiência.

O déjà-vu é um fenômeno intrigante e, embora sua explicação completa ainda não tenha sido alcançada, diversas teorias científicas têm sido propostas para tentar entender suas causas. Aqui estão algumas possíveis explicações, abordadas a partir de perspectivas científicas:

1.       Problemas na formação de memória: Uma explicação comum está relacionada à formação de memória. Alguns pesquisadores sugerem que o déjà-vu pode ocorrer quando há um problema temporário na consolidação da informação na memória, fazendo com que uma experiência pareça familiar antes mesmo de ser completamente processada.

2.       Dissonância na percepção temporal: Algumas teorias propõem que o déjà-vu pode ser causado por desafios na percepção temporal, levando a uma sensação de desalinhamento entre a percepção de tempo e a formação de memória.

3.       Ativação neural anômala: Pesquisas neurocientíficas sugerem que o déjà-vu pode estar associado a uma ativação neural anômala em áreas específicas do cérebro, como o hipocampo e o córtex temporal medial.

4.       Conflito de informação no cérebro: Algumas teorias propõem que o déjà-vu ocorre quando há um conflito de informação no cérebro, onde uma experiência é percebida como familiar, mas, ao mesmo tempo, reconhecida como nova.

5.       Descarga elétrica no cérebro (Epilepsia): Em casos de epilepsia, especialmente na epilepsia do lobo temporal, episódios de déjà-vu podem ocorrer como resultado de descargas elétricas anormais no cérebro.

6.       Estresse e fadiga: Algumas pesquisas sugerem que o estresse e a fadiga podem aumentar a probabilidade de experienciar déjà-vu, possivelmente devido a mudanças no funcionamento do cérebro sob essas condições.

7.       Ligação com sonhos: Há teorias que exploram a possibilidade de que o déjà-vu possa estar relacionado a semelhanças entre experiências vividas e sonhos anteriores, criando uma sensação de familiaridade.

Voltemos as minhas divagações de réveillon. Imaginemos que o fenômeno da reencarnação realmente exista, neste sentido a tese mais utilizada é a de que reencarnamos em um novo corpo e em um novo tempo. E se reencarnamos sempre no mesmo tempo, ou seja, cada um de nós viverá inúmeras vezes o mesmo tempo histórico. Por exemplo: Fulano nasce em 1900 e falece em 1980. Sua reencarnação necessariamente ocorreria com ele nascendo novamente em 1900 e vivendo novamente a mesma vida anteriormente vivida acrescida do livre arbítrio que nortearam as mesmas ou outras decisões. Neste sentido, talvez o déjà-vu seja um resquício de memória de outra vivência.

E se considerarmos ainda que em paralelo a esta nossa existência existe outras tais quais a ela, com outros eus idênticos vivendo o mesmo tempo e por vezes se influindo inconscientemente.

Consideremos estas alegações como verdadeiras, neste sentido cada novo percurso de vida, por mais que esteja atrelado a eventos e fatos em comum, adensam em função de um crescimento da consciência em função das experiencias anteriormente vivenciadas. Deste modo podemos ter ao mesmo tempo uma versão do eu cuja vida segue por caminhos outros em relação a outros eus possíveis.

Acredito que neste ponto já esteja evidente que trato aqui como consciência aquilo que é popularmente nomeado por alma.

A consciência é um conceito complexo e multidimensional, e diferentes disciplinas têm abordagens variadas para defini-la. Aqui estão algumas definições de consciência de acordo com diferentes linhas de pensamento:

1.       Perspectiva Filosófica: Na filosofia, a consciência refere-se à experiência subjetiva e à percepção individual do mundo. Ela envolve a capacidade de ter pensamentos, sensações, emoções e uma noção de si mesmo.

2.       Perspectiva Psicológica: Na psicologia, a consciência é muitas vezes descrita como a capacidade de estar ciente de pensamentos, sentimentos, sensações e do ambiente ao redor. Inclui a atenção, percepção, memória e outros processos mentais.

3.       Perspectiva Neurocientífica: Na neurociência, a consciência está relacionada à atividade cerebral e aos padrões de funcionamento do sistema nervoso central. A consciência pode ser explorada em termos de processos neurais associados à percepção, atenção e integração de informações.

4.       Perspectiva Religiosa e Espiritual: Em contextos religiosos e espirituais, a consciência pode ser vista como a conexão com uma realidade mais ampla, transcendental ou divina. Pode envolver a percepção de um eu interior e a compreensão de um propósito mais elevado.

5.       Perspectiva Científica Cognitiva: Em ciências cognitivas, a consciência pode ser estudada em termos de processos cognitivos, como a tomada de decisões, a resolução de problemas e a autoconsciência.

6.       Perspectiva Médica: Na medicina, a consciência é frequentemente avaliada em termos do estado de vigília e da capacidade de responder a estímulos externos. A perda de consciência pode ocorrer em casos de desmaios, anestesia ou estados alterados de consciência.

Essas definições destacam a natureza multifacetada da consciência e a maneira como ela é abordada em diversas disciplinas. A compreensão completa da consciência continua a ser um dos desafios mais fascinantes e complexos na pesquisa científica e filosófica.

No campo da física quântica, o físico quântico indiano-americano e professor emérito da Universidade de Oregon, Amit Goswami, lançou em 1993 um livro intitulado “A Física da Alma: A Explicação Quântica para a Vida Além da Morte".

O livro propõe uma abordagem inovadora, conectando os princípios da física quântica com conceitos espirituais e filosóficos, explorando a possibilidade de uma compreensão quântica da consciência e da vida após a morte.

Amit Goswami começa o livro discutindo os fundamentos da física quântica, incluindo princípios como a dualidade onda-partícula e o colapso da função de onda. Ele explora como esses princípios podem ser interpretados para apoiar a ideia de que a consciência desempenha um papel fundamental na criação da realidade observada.

Ao longo do livro, Goswami discute várias questões relacionadas à consciência, incluindo a natureza da mente, o papel da observação na realidade quântica e a possibilidade de uma vida além da morte. Ele sugere que a consciência é a base fundamental da realidade, e que a morte não é o fim, mas sim uma transição para outro estado de existência.

Goswami explora também a ideia de que a mente e a consciência podem influenciar a matéria e a saúde física. Ele propõe que a integração da espiritualidade, como entendida em várias tradições religiosas, com os princípios quânticos pode levar a uma compreensão mais profunda da existência e da natureza da alma.

Embora o livro tenha atraído atenção e interesse por sua tentativa de unir a física quântica com a espiritualidade, é importante notar que as ideias de Goswami são controversas e recebem críticas de alguns cientistas e filósofos. Muitos argumentam que a interpretação quântica da consciência proposta por Goswami é especulativa e carece de evidências empíricas sólidas.

Mas vale também lembrar que a “Teoria da Relatividade”, formulada por Albert Einstein no início do século XX, foi chamada por alguns de uma ciência dadaísta, em relação ao movimento artístico e cultural que surgiu durante a Primeira Guerra Mundial, entre 1916 e 1922, principalmente em Zurique, na Suíça, e posteriormente se espalhou para outras partes da Europa e dos Estados Unidos.

Em resumo, "A Física da Alma" oferece uma exploração intrigante das interseções entre a física quântica, a consciência e questões espirituais. No entanto, a recepção do livro varia, com alguns elogiando sua ousadia e outros questionando a validade de suas conclusões.

Eu particularmente me interesso pela abordagem dada por Goswami, vejo nela uma explicação plausível a fenômenos aos quais ainda não temos respostas definitivas.

Enveredemos um pouco mais pelos meandros da física quântica, também conhecida como mecânica quântica. É um ramo da física que estuda o comportamento dos sistemas muito pequenos, como partículas subatômicas (átomos, elétrons, fótons, etc.). Ela difere da física clássica, que descreve o mundo macroscópico observável, incluindo objetos grandes e movimentos cotidianos.

A mecânica quântica introduz conceitos fundamentais que desafiam nossa intuição e divergem de muitos aspectos da física clássica. Algumas características importantes incluem:

1.       Dualidade Partícula-Onda: Partículas subatômicas, como elétrons e fótons, exibem comportamento dual, podendo agir tanto como partículas quanto como ondas. Essa dualidade é uma característica única da mecânica quântica.

2.       Princípio da Incerteza: Formulado por Werner Heisenberg, o princípio da incerteza afirma que é impossível conhecer simultaneamente a posição exata e a quantidade de movimento (momentum) de uma partícula com precisão infinita. Quanto mais precisamente uma dessas propriedades é medida, menos precisão se tem sobre a outra.

3.       Superposição Quântica: De acordo com a mecânica quântica, partículas subatômicas podem existir em estados de superposição, o que significa que podem ocupar múltiplos estados simultaneamente. Isso é exemplificado pelo experimento mental do gato de Schrödinger.

4.       Entrelaçamento Quântico: O entrelaçamento quântico é um fenômeno no qual duas partículas estão tão conectadas que o estado de uma delas instantaneamente afeta o estado da outra, independentemente da distância entre elas. Esse fenômeno desafia a ideia clássica de causalidade.

5.       Colapso da Função de Onda: A evolução temporal de um sistema quântico é descrita pela função de onda, mas quando uma medição é feita, a função de onda entra em colapso para um estado específico, determinando o resultado observado.

6.       Quantização de Energia: A mecânica quântica introduz a quantização de energia, onde os níveis de energia são discretos, em oposição à ideia clássica de energia contínua.

7.       Modelo de Átomo Quântico: O modelo quântico do átomo descreve a distribuição probabilística dos elétrons em órbitas ao redor do núcleo, em vez de órbitas definidas, como proposto pelo modelo clássico de Bohr.

A física quântica é uma teoria fundamental que desempenha um papel crucial em diversas áreas, incluindo física de partículas, eletrônica, química quântica, computação quântica e tecnologia de informação quântica. Apesar de seu sucesso em explicar fenômenos no nível subatômico, a mecânica quântica continua a desafiar nossa intuição e a expandir nossa compreensão do universo.

Como podemos observar, a física quântica dialoga como os meus pressupostos sobre a vida, o tempo, a morte, a reencarnação e a multidimensionalidade do ser.

Em sua obra "O Ser e o Nada" (em francês: "L'Être et le Néant"), Jean-Paul Sartre busca explorar a natureza da existência humana e o significado da liberdade. Dentre os conceitos pelo autor abordado temos “A Negação do Ser”, onde Sartre afirma que o "nada" é o fundamento da consciência humana. O autor argumenta que a consciência se define pela negação do ser e pela liberdade de escolher, o que implica uma constante criação e recriação de significado.

Em nível quântico somos um grande vazio, um imenso nada. Mas não estou aqui afirmando que esta foi a abordagem dada por Sartre, apenas me pareceu uma curiosa coincidência.

Masaru Emoto, cientista japonês, em seus experimentos, afirmava que a água reagia às palavras, emoções e intenções dirigidas a ela, influenciando sua estrutura molecular e formando padrões cristalinos distintos. Ele alegava que palavras positivas, músicas agradáveis e pensamentos amorosos resultavam em padrões de cristalização mais harmoniosos, enquanto palavras negativas ou hostis produziam padrões menos organizados. Vale ressaltar que o corpo humano “físico” possui em média 60% do seu peso em água.

Vale ressaltar que para a comunidade científica, o trabalho de Emoto, devido à falta de rigor científico em seus experimentos e à ausência de revisão por pares em suas publicações, está mais para uma pseudociência, ou como diriam em tempos passados, uma ciência dadaísta.

Mas rememoro, isto é um ensaio, dadaísta, mas apenas um ensaio. Assim sigamos em minhas elucubrações sobre a temática posta.

E se a vida for um devir, ou seja, algo que possui potencial de "tornar-se" ou "vir a ser", conforme sentido dado ao termo pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Podemos afirmar, caso a vida seja um devir, que ela possui ênfase na mudança, na transformação e nos processos dinâmicos na realidade. Tal máxima coaduna com aquelas dadas em variados segmentos religiosos, onde a vida é tida como uma passagem para a autoaprendizagem e evolução, e que tal passagem se repete até que o espírito esteja preparado para ascender aos céus. Eis o princípio teológico da reencarnação.

E se a consciência for a âncora que mantem as vivências atreladas a um único eu em evolução?

E se o tempo dado a esta existência for uma constante cíclica que se repete indefinidamente para cada EU possível em constante acúmulo?

E se o tempo do EU coexiste com o tempo de outros EUS em uma multidimensionalidade do ser?

E se a morte for apenas um recomeço da existência preenchida, reiniciada com as mesmas características anteriormente dadas?

Seria toda a história da espécie humana um filme completo onde cada um dos participes figuram determinados tempos initerruptamente até o fatídico fim? E se assim for só saberão como terminou aqueles que fizerem parte do tempo final o qual viverão inúmeras vezes?

Seria o déjà-vu um lapso da consciência que conecta todos os eus possíveis?

De certo só saberemos se o tempo para tais descobertas for o mesmo no qual vivemos. O tempo dirá.


[1] Refere-se a uma instância existencial e não a um tempo verbal.

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