Cometa
- Anderson Luis da SIlva
- há 3 dias
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Atualizado: há 2 dias

Nasci em 4 de abril de 1972. Escrevo este texto em 16 de agosto de 2025. Cinquenta e três anos se passaram entre o dia em que vim ao mundo e a data deste escrito. Nesse período, doze cometas aproximaram-se da Terra — suficientemente próximos para serem vistos a olho nu.
O primeiro foi o Cometa Kohoutek, que cruzou o céu entre o final de 1973 e o início de 1974. Não o observei. Na ocasião, era apenas um bebê, mais interessado no peito da mãe do que em corpos celestes errantes.
O segundo surgiu em meados de 1975, visível apenas em março de 1976: o Cometa West. Também não o vi. Naquela época, dividia-me entre brincadeiras no quintal e as esporádicas surras do meu pai.
O próximo aproximou-se no final de 1985, permanecendo nos céus até o início de 1986. Ouvi falar dele — seu nome ecoava nas manchetes —, Halley. Mas, mais uma vez, não avistei um cometa. Estava ocupado demais com os primeiros amores da fase escolar na hoje nostálgica Escola Estadual de Primeiro Grau Professor Adolfo Tripolli.
A quarta oportunidade veio em 1996, quando o Cometa Hyakutake adornou o céu de março. Perdi-a também. Já trabalhava e preocupava-me em construir um futuro que imaginava repleto de sucesso. Esqueci-me do pedido a estrela cadente.
No final daquele mesmo ano, o Cometa Hale-Bopp trouxe outra chance, pairando pacientemente no firmamento ao longo de 1997. Novamente, não fui observar. Naquele período, estava sem carteira de trabalho assinada e lutava para garantir o sustento com as aulas que ministrava em uma famosa escola de informática.
A próxima oportunidade surgiu já no século XXI, em 2007, quando o Cometa McNaught brilhou sobre nossas cabeças no mês de janeiro. Perdi esse também. Lecionava no ensino superior e empenhava-me na ilusão de estar na excelência na formação dos melhores.
Em dezembro de 2011, chegou o Cometa Lovejoy. Entre fraldas e os cuidados com minha filha recém-nascida, debatia-me com o fechamento de notas, bancas de avaliação, escrita de artigos e o planejamento do semestre seguinte. Nem sequer me dei conta da sua passagem.
Em março de 2013, foi a vez do gracioso Pan-STARRS. Perdi-o também. Preparava-me para uma temporada em Barcelona e, entre a chegada da minha segunda filha, não tinha tempo a perder com mais um cometa. Eu era o cometa, pensava.
"Enquanto há vida, há chance", diria um pensador entusiasta. Em julho de 2020, eis que surge o Cometa NEOWISE. Gostaria de tê-lo visto, mas a pandemia que assolou o mundo impediu-me de participar de seu desfile celestial.
Em dezembro de 2021, o Cometa Leonard apareceu. Na véspera do recesso acadêmico, fui demitido por telefone em uma manhã de domingo, da faculdade onde me doei por dezoito longos anos. Em meio ao burnout, minha cabeça não tinha espaço para cometas.
Em fevereiro de 2022, o Cometa C/2022 E3 veio "sambar" por aqui. Não o observei. Ainda iludido com a possibilidade de voltar a lecionar, dedicava meu tempo a enviar currículos e acionar contatos. Descobri que tal qual os cometas, todos são passageiros do céu de alguém.
Em outubro de 2024, o Cometa Tsuchinshan-ATLAS deu as caras. Não o vi. Àquela altura, já estava desiludido com os cometas — e com a vida. Me entreguei a reflexão e a escrita de elegias, rebeldia ao meu tom irônico e rebelde.
Sei que em fevereiro de 2026 o Cometa Wierzchos passará por aqui. Desta vez, focarei nessa nova chance. Tentarei esquecer tudo o que perdi. Mas sei que mesmo que eu o aviste, isso não substituirá o arrependimento pelos que perdi.
Cometas vagam pelo universo, em geral, se põe em única chance de avistamento para aqueles que estão vivos em sua passagem. Seus ciclos são longos, por vezes, imensuravelmente longos. Perder um cometa é o mesmo que se privar da chance única.
Estes transeuntes corpos celestes feitos de gelo e poeira, quando surgem, fazem lembrar que as oportunidades são efêmeras, tal qual cometas.
Prof. Dr. Anderson Luis da Silva
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